O Dalai Lama, a globalização, a economia e a política

De uma entrevista muito interessante e actual que o Dalai Lama concedeu recentemente ao jornal alemão Die Welt, permitimo-nos traduzir e publicar aqui alguns excertos. Tal como nós aqui no Tao, também o líder budista é um fã da globalização. Esta e outras ideias pertinentes e sensatas, já a seguir com link para a conversa original:

«A riqueza não é necessariamente algo mau quando foi ganha de forma honesta e sem que indivíduos ou o ambiente tenham sofrido por sua causa. Como budistas reconhecemos que a riqueza é um pré-requisito básico para uma vida feliz. Mas um bilionário também só tem dez dedos. Consegue enfiar três ou quatro anéis em cada dedo, mas isso pareceria estranho. A satisfação que muitos milionários que não partilham a sua riqueza têm nas suas cabeças é fictícia, não é real. Os ricos deviam ajudar a reduzir a pobreza.»

«Sou essencialmente um apoiante da globalização. No passado, as sociedades e os países podiam isolar-se do resto do mundo, mas hoje isso tornou-se impossível. Quando procuramos por organizações que tenham a capacidade e a competência para melhorar o nosso mundo, as empresas globais estão no topo da lista. Especificamente as multinacionais globais integradas estão numa posição ideal para apoiar os países em vias de desenvolvimento a diminuir o fosso com as economias nacionais líderes.»


«(não simpatiza com os movimentos anti-globalização?) Simpatizo quando lembram os líderes e as empresas de que tudo isto deve ser mais do que apenas aumentar os lucros. Ao mesmo tempo, a crescente oposição à globalização está dependente da nossa relutância em aceitar o princípio de que tudo é perecível: Isto é, o facto de tudo estar sujeito à mudança permanente. Para os budistas este é um dos pedaços básicos de sabedoria que cada um deve aceitar.»

«(estas atitudes liberais não se coadugnam a alguém que já se chamou a sí próprio um monge marxista. Ainda se vê como um?) Sim, ainda acredito ser um monge marxista. Também não vejo aqui qualquer contradição. Na teoria marxista o foco reside na justa distribuição de riqueza. De uma perspectiva moral, esta é uma reivindicação correcta. O capitalismo, pelo outro lado, valoriza a acumulação de riqueza - a sua distribuição não interessa aqui inicialmente. No pior dos cenários, os ricos continuarão a enriquecer enquanto os pobres continuarão a ficar mais pobres.»

«(Então porque é tão contra o comunismo e o socialismo?) Comunismo? O que é o comunismo? A China é um país comunista? (gargalhada). Estou confuso. Os comunistas chineses são comunistas sem uma ideologia comunista. Mas se me disser socialismo, como existiu no início no Bloco do Leste e agora na Coreia do Norte ou em Cuba, acredito que vai contra a natureza humana; destrói a criatividade. Não chega às pessoas terem apenas o suficiente para comer, roupas e um telhado sobre as suas cabeças. Precisamos de nos auto-actualizar. Buda encorajou os empreendedores a terem sucesso através da confiança («dependability») e das capacidades de venda. Aqueles que forem bem-sucedidos podem ajudar outros.»

«(que papel deve ter o Estado na economia?) Essa é uma pergunta muito difícil. Não penso que a igualdade possa ser estabelecida a um nível nacional. As nações podem causar muitos estragos. É por isso que alerto contra esperar muito dos governos quando toca à redistribuição ou à regulação dos mercados financeiros. As pessoas arranjarão sempre formas de contornar regras e leis - mesmo que sejam as melhores regras e leis. Ou pensa que foi a falta de regulação que levou a esta crise financeira? As regras nos Estados Unidos eram boas; mas a acção responsável exige muito mais do que o mero cumprimento da lei.»


«(na sua opinião o mercado livre não está a funcionar bem, e também não acredita na regulação. Então de que precisamos?) Eu chamo-lhe "uma economia de mercado livre responsável". No final tudo se resume a todos os cidadãos individuais; está dependente do sentido de responsabilidade moral, auto-disciplina e valores de cada indivíduo. Esta crise financeira não é apenas uma crise na economia de mercado, mas antes uma crise de valores.»


«A crise é terrível para muita gente, mas também mostra que o valor do dinheiro é limitado e a insegurança é enorme. Os valores interiores como a amizade, a confiança, a honestidade e a compaixão são muito mais fidedignos do que o dinheiro - trazem sempre felicidade e força.»


«A China desenvolveu um poder enorme. É a evidência de como uma economia se pode desenvolver melhor com liberdade a nível empresarial. O que falta na China, no entanto, são valores em que a sua sociedade se possa apoiar. Os princípios que eram relevantes antes da revolução comunista já se foram há muito. E o que tomou o seu lugar? Nada a não ser o dinheiro. A elite comunista pensa apenas em poder e dinheiro, e isso pode ser muito destrutivo»


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